A obra literária, O Rei Lear, escrita por William
Shakespeare, no ano de 1606, apenas dez anos antes de sua morte, relata a
trágica velhice de um soberano que sem conseguir um filho que tomasse o seu
lugar no trono bretão, deixando a
“sucessão” às três filhas mulheres, que, necessariamente, à coroa do velho
monarca destinariam um dos esposos das filhas. Outra tragédia na vida desse
soberano foi se ver como um estorvo nas mãos de suas herdeiras, das quais,
Cordélia, a filha mais jovem, não queria casar-se, preferindo proteger o pai
ancião da ganância de suas irmãs, Goneril e Regana, e seus respectivos maridos,
que almejavam o reino da Bretanha.
Nesse universo europeu da Idade Média, acontece uma
das melhores dramaturgias shakesperianas, enfatizando a problemática da velhice
e o fardo pesado que o ancião torna-se para sua família; mesmo que o idoso seja
um sábio e bondoso soberano monárquico, como é o caso do rei Lear.
O amor dedicado de Cordélia – que preferira não casar
para não dividir este amor com o esposo, levou-a a desprezar a parte que lhe
tocara no reino, fazendo com que o velho rei a tomasse como estranha, afirmando
não mais ser ela sua filha, Lear expulsa-a de casa.
A partir desse ponto, o drama passa a retratar a
condição de estorvo que o rei ancião ocupa, morando ora na companhia de
Goneril, ora na companhia de Regana. Ambas são intolerantes às dificuldades de
discernimento do velho Lear; agem indiferentes a sua idade avançada, não empreendendo
qualquer esforço no sentido de compreender as atitudes desconexas do pai ancião. Diante das fortes
repreensões destas, o rei prefere partir e viver com estranhos.
É justamente nesse ponto, no abandono aos idosos, em
face do peso que eles representam, que a grandiosidade literata de Shakespeare
torna-se clássica, pois trata de um assunto bastante atual e comum entre as
famílias; algo atemporal, que foi ontem, é hoje e será no futuro. Aqui, a obra
O Rei Lear faz-se eterna, porque em qualquer tempo da história humana haverá
pais esquecidos pelos seus filhos, amargando a dor e a solidão, jogados à mercê
da caridade social, padecendo no desgaste e na caduquez, vivendo de forma
lastimável e miserável a realidade impiedosa da velhice.
Uma vez jogados na sarjeta da existência, bem ao
exemplo de Rei Lear, os velhos definham na saudade e na falta do aconchego
familiar; sendo ínfimo o número de filhos que voltam a visitá-los ou
resgatá-los à sua guarda e responsabilidade; conforme fez Cordélia – a filha
mais nova do monarca shakesperiano que, mesmo renegada pelo pai, continuou a
protegê-lo à distância, indiretamente, livrando-o da perversidade das outras
filhas.